Autor: Letícia Parreira

Como a atuação feminina no futebol foi acolhida internacionalmente? 

Em julho de 2023 foi realizada a maior competição de futebol feminino do planeta, a Copa do Mundo Feminina. Esta é a nona edição do campeonato, que é organizado pela Federação Internacional de Futebol (FIFA) e foi sediado pela Austrália e Nova Zelândia, marcando a primeira vez que o evento ocorre em dois países. Uma edição com holofotes diretos à evolução da categoria, na expectativa de elevar a modalidade ao mesmo patamar do esporte masculino.

Ela teve duração de um mês, iniciando com a fase de grupos, depois algumas equipes avançaram para as etapas decisivas até chegar a final, marcada para 20 de agosto de 2023, onde as duas melhores equipes competiram pelo título mundial. 

Essa edição também trouxe a novidade de contar com 32 seleções, tendo a presença de vários países estreantes na Copa, como: Filipinas, Irlanda, Zâmbia, Haiti, Vietnã, Portugal, Panamá e Marrocos. Este fato torna perceptível o avanço que vem ocorrendo no futebol feminino em vários países do mundo. 

Além disso, sabe-se que esta Copa contou com um recorde de público, tanto nos estádios como nas transmissões de televisão. Apenas na fase de grupos, os jogos na Austrália e na Nova Zelândia já atraíram mais espectadores aos estádios que a última edição, em 2019, na França. Tudo graças ao novo tratamento que os organizadores deram para a visibilidade do evento.

Ressalta-se, também, o aumento nos números de  telespectadores em todo o mundo. Na Austrália, a partida entre as seleções australiana e dinamarquesa pelas oitavas de final atingiu um público de cerca de 6,54 milhões de pessoas, que assistiram em um dos maiores canais de televisão da região, tornando-se a maior audiência de um jogo de Mundial feminino na história. 

No Brasil, os números também impressionam. No primeiro jogo da seleção brasileira contra o Panamá, a TV Globo registrou sua maior audiência no horário (8h01 às 9h57), desde de 2008 e, na final do campeonato, entre a Espanha e  a Inglaterra, a  emissora atingiu a maior audiência do ano, para um domingo de manhã. Além disso, o canal do Youtube “CazéTV”, no jogo da estreia da seleção brasileira, bateu o recorde mundial de transmissão simultânea de um jogo de futebol feminino na plataforma, com mais de 1 milhão de conexões. Além disso, pela primeira vez, as autoridades oficializaram os dias dos jogos da seleção feminina como ponto facultativo, sendo possível a população acompanhar em massa.

A Fifa também destacou os casos da Nova Zelândia, onde mais de um terço da população acompanhou os jogos, e da Colômbia, que triplicou sua audiência se comparada com o Mundial de 2019. 

Vale destacar, que este movimento de audiência, seja nos estádios e/ou pela transmissão das TVs abertas e digitais, aquece o consumo de comidas, bebidas, além de fomentar a venda de “souvenirs”, ingressos e toda rede de transporte e hoteleira no entorno da competição. Com isso, todos ganham e a população vibra com o entretenimento.

Outro ponto que é essencial para a evolução do futebol feminino é o apoio de grandes marcas, que além de contribuírem financeiramente, são essenciais para promover e incentivar a adesão ao evento.

Nesta edição, há cerca de 30 marcas patrocinadoras, entre elas: Adidas, Coca-Cola e Hyundai. O número representa um grande salto em relação à Copa de 2019, que contou com 14 patrocinadores. O aumento é maior ainda se comparado com a primeira edição, em 1991, quando apenas a Mars (fabricante mundial de chocolates) patrocinou o evento, como uma forma de promover sua linha de chocolates M&M’s, assim a competição ficou marcada como “M&M’s Cup”. 

Ingresso da Primeira Copa do Mundo Feminina, realizada na China, em 1991. 

Esses avanços ajudam a enfatizar a mudança e a evolução na forma que a sociedade enxerga o que seria o “papel da mulher”, pois demonstra que o gênero feminino tem recebido apoio em áreas que antes eram consideradas, majoritária ou exclusivamente, masculinas. Isso não somente pelo aspecto da inclusão, mas também pelo valor agregado da luta feminina pela igualdade.

Vale destacar, ainda, que essa maior visibilidade alcançada pelo futebol feminino é uma consequência de anos de luta, resistência e busca pelos direitos das mulheres. Na história do futebol feminino há inúmeros casos de discriminação e preconceito. Alguns exemplos estão nas histórias das seleções finalistas dessa Copa: a inglesa e a espanhola, que se classificaram para a sua primeira final em campeonatos mundiais. 

As inglesas surgiram como pioneiras do futebol feminino, em 1894, após anos de proibição do esporte para as mulheres do país, criando o British Ladies Football Club, o primeiro clube do esporte feminino. O clube surgiu na época da luta por direitos igualitários, influenciada pelos lemas da Revolução Francesa e é considerado como parte da Primeira Onda Feminista. 

No caso espanhol, a seleção feminina conseguiu sua primeira classificação para o Mundial em 2015. Esse “atraso” está ligado aos empecilhos que o esporte feminino sofreu durante o século XX, principalmente durante a ditadura franquista (1939-1975), quando o futebol e algumas outras modalidades foram proibidas para as mulheres, pois alegavam que eram prejudiciais à saúde feminina. O esporte voltou a ser praticado pelas mulheres no final da ditadura, porém, como o país conta com apenas uma liga profissional feminina, o desenvolvimento da categoria ainda acontece de maneira lenta. 

Nos últimos anos, as espanholas têm requerido mudanças na estrutura da seleção feminina. Alegam que o técnico, Jorge Vilda, precisa ser demitido, pois seu trabalho não estaria sendo tão efetivo quanto o necessário. Contudo, a Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) ignorou o pedido das jogadoras e prestou apoio ao técnico. 

Esses são apenas alguns casos, porém os desafios se estendem para as atletas de todo o mundo, que diariamente quebram barreiras para conquistarem o espaço que merecem. Fato é que as seleções masculinas, possuem influência efetiva sobre o comando de suas equipes, fazendo valer suas escolhas, na história muitas comissões técnicas masculinas já foram totalmente trocadas pelo apelo declarado dos jogadores. Ao que vemos, o futebol feminino ainda não recebe o mesmo tratamento nesse aspecto.

Apesar dessa Copa ter representado um grande passo para o futebol feminino, tanto em termos de público, divulgação e o espaço que outras seleções alcançaram, com uma vitória inédita da Espanha, em sua terceira participação na Copa do Mundo Feminina.  Ainda há um longo caminho a ser percorrido, uma grande luta para que a sociedade compreenda o verdadeiro valor do esporte feminino e, esse evento atinja os mesmos ou maiores níveis de visibilidade que a edição masculina. 

Elas merecem a mesma evolução e visibilidade, afinal a consequência será a rentabilidade e o fortalecimento do futebol no mundo todo.


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