Autor: Ana Carolina de Carvalho Viotti

A Guerra do Paraguai, ocorrida entre 1864 e 1870, foi um conflito de grande magnitude na América do Sul, desencadeado pelo impasse entre o Paraguai e os países que constituiriam a chamada “Tríplice Aliança”, composta pelo Brasil, Argentina e Uruguai. A série de eventos e batalhas que fez desse o maior enfrentamento bélico desenrolado nessas paragens é somada a uma espécie de novidade: seria a primeira vez, também por se tratar de um período de grande avanço no desenvolvimento de tecnologias óticas e de impressão no Brasil, que um acontecimento contava com uma cobertura da imagética da imprensa, em princípio com a utilização de fotografias para a criação de litografias nos jornais, depois com outras formas de acesso às imagens – o que a pesquisadora Lúcia Klück Stumpf chamou de “primórdios do fotojornalismo” por aqui –, além da reprodução de uma série de caricaturas, retratos, pinturas e interpretações “artísticas”, por assim dizer, do conflito armado.

Antecedentes do conflito

Na década de 1860, o Uruguai enfrentava uma guerra civil cujos efeitos e questões resvalavam para além de suas fronteiras, envolvendo brasileiros que habitavam as regiões ao sul e com os quais travaram disputas. Apesar dos esforços diplomáticos do Brasil, Argentina e Inglaterra para resolver a crise, a guerra civil persistiu, resultando em contínuos ataques contra os brasileiros. Em agosto, o governo brasileiro ameaçou intervir militarmente no Uruguai, o que gerou protestos do Paraguai. E ao contrário das grandes mobilizações por “grandes forças”, conflitos de magnitude podem ser desencadeados por questões imediatas e ambições pessoais. Naquele contexto, o Paraguai passava por mudanças políticas e transformações na formulação de sua política externa, influenciando os eventos que culminariam na guerra. Sob a liderança de Francisco Solano López (1827-1870), o país acabou se envolvendo em um conflito que, segundo algumas análises, não tinha condições de vencer. Esses fatores revelam a complexidade por trás do desencadeamento da guerra do Paraguai.
O que sucede ao sequestro por ordens do governo paraguaio do vapor brasileiro Marquês de Olinda em 12 de novembro de 1864 é o estopim do confronto. No dia seguinte a esse episódio – explicado, pela ótica paraguaia, como defesa, e pela brasileira, como afronta –, Lopez Filho (1827-1870), declara guerra ao Brasil. Para termos dimensão de como, logo de partida, a imprensa brasileira lê e publiciza esse evento, dando contornos para o que será a opinião pública sobre o envolvimento da jovem nação em um confronto armado, é interessante passar os olhos, por exemplo, no editorial de 25 de dezembro de 1864 de A Semana Ilustrada, em que lemos:

Os acontecimentos que se passam agora no Rio da Prata são de máxima importância para a glória nacional. Já as armas brasileiras vão triunfando das pandilhas orientais. Cada sai, cada refrega, é uma lauda de glória para o nome do Brasil. […] Lopez, vil tiranete, digno filho do selvagem e estúpido Lopez 1º, continuador da política do embrutecimento e da ignorância deste tirado de execrada memória, assim como este o fora do feroz Francia, ousou lançar seus botes traiçoeiros sobre a nação brasileira, como o salteador que à beira da estrada a coberto pelas sombras da noite, arremete à falta fé contra o viandante descuidado e inerme! […] Lavar nossa bandeira ofendida no sangue desses salteadores que imprudentes se atreveram a provocar o Gigante Sul Americano, que firme e sereno vai trilhando a senda do progresso? […] Não haja piedade ne clemência para esse povo (*), que desconhece os mais triviais princípios do direito internacional, as fórmulas da diplomacia e a fé dos tratados; que nos late à porta quando lhe passamos por casa, quando não nos MORDE se nos colhe descuidados, como acaba de fazê-lo! Como o Paraguai, um poco que assim procede (não merece outro epíteto) é o cão (!!), que cumpre esmagar aos pés!

(*) Como é de justiça, faz-se exceção da flor da sociedade paraguaia, que de há muito tempo deseja a intervenção política do Brasil na República, que a livre da detestável dominação da família Lopez.

Figura 1 – Capa da “Semana Illustrada”, n. 211, publicada em 25 de dezembro de 1864. Do acervo da Hemeroteca Digital.

Esse conflito, que resultou na perda de cerca de 280 mil vidas paraguaias, aproximadamente metade da população do país na época, e 120 mil soldados argentinos, uruguaios e brasileiros, chegou ao fim em 1870 com a vitória da Tríplice Aliança e a devastação do Paraguai. As discordâncias entre historiadores de todos os lados (e exteriores) aos países envolvidos são muitas, variando explicações sobre causas relacionadas a disputas territoriais entre as nações envolvidas, rivalidades históricas e questões de navegação nos rios da região platina, além dos caminhos que se apresentaram como possíveis para a resolução da querela e os papeis de determinadas figuras no desenrolar da guerra, a exemplo do próprio Solano Lopez, de d. Pedro II, de Duque de Caxias e do Conde d’Eu, só para citar algumas. Mas uma concordância sobressai: as disputas, além de se darem nos campos de batalha, também aconteceram em letra e imagem na imprensa periódica.

Imagens impressas da guerra

Ao longo dos muitos anos de conflito, fotógrafos de diferentes nacionalidades – brasileiros, argentinos, uruguaios e, ainda, oriundos de diversos espaços europeus –, capturaram imagens marcantes e vívidas, tanto das atrocidades sangrentas como de momentos pitorescos, diretamente nos campos de batalha e nas áreas de operações. Essas fotografias não apenas documentaram o conflito, mas também nos proporcionam uma visão única e detalhada do que ocorreu durante esse período turbulento da história. É o caso, por exemplo, da imagem do Imperado do Brasil, D. Pedro II (1825-1891), capturada pelo fotógrafo italiano Luiz Terragno (1831-1891) – que, vale destacar, inventou um fixador a base de mandioca e uma máquina que tirava fotografias instantâneas! –, quando o monarca se deslocou para o Rio Grande do Sul em 1865, com o conflito já em andamento. Outra fotografia nesse sentido, que chama atenção na Coleção Brasiliana Fotográfica, é esse retrato de Conde d’Eu (1842-1922), marido de Princesa Isabel (18464-1921) que assumiu a chefia das tropas brasileiras em 1869, após a saída voluntária de Luis Alves de Lima e Silva (1803-1880), o Duque de Caxias.

Figura 2 – Luiz Terragno. Pedro II, Imperador do Brasil : retrato, 1865. RS/ Acervo Fundação Biblioteca Nacional
Figura 3 – Anônimo. S. A. Real Conde d’Eu com seu estado maior em Lambaré, 1868. Lambaré, Paraguai / Acervo Fundação Biblioteca Nacional

Como mencionado, fotografias ganhavam outros traços nas mãos dos litógrafos de todos os cantos, e no Brasil, sobretudo na Corte, o Rio de Janeiro. Os periódicos, fossem eles jornais, revistas ou folhetins, com periodicidade diária, semanal ou mesmo mensal, passavam a trazer gravuras que proporcionavam aos leitores um novo contato e outras imagens do que se passava ao sul e à oeste da então capital. A mesma Semana Illustrada foi responsável por uma série desses desenhos, fossem eles ao modo de “retratos”, com o busto ou corpo inteiro de figuras tidas como importantes para o evento, fossem “cenas” de batalhas ou dos acampamentos. Em 1865, no início do confronto, portanto, encontramos imagens desses dois grandes grupos mencionados: de tenentes, comandantes de canhoneiras, soldados e membros do Exército das mais diversas patentes, de um lado, e o cotidiano dos combatentes e, em alguma medida, da população civil que se encontrava incontornavelmente envolvida naquela situação.

Figura 4 – Semana Illustrada, n. 222, 12 de março de 1865.

Figura 5 Semana Ilustrada, n. 248, 10 de setembro de 1865.

Um outro conjunto de imagens ainda merece destaque: aquele que ilustrava personagens e situações de forma crítica, usando de recursos dos mais incisivos aos satíricos para retratar o cenário bélico, por certo, mas também político, econômico e social. Como se depreende desse pequeno grupo de imagens abaixo indicadas, houve espaço na imprensa brasileira para reiterar a imagem ditatorial de Solano Lopez, retratado como aquele que estava, por sua ambição própria, ceifando a vida e cravando um pobre destino para os paraguaios; ao mesmo tempo em que, na imprensa do Paraguai, críticas à sujeição dos países da Tríplice Aliança, aparentemente de forma acrítica, eram propagadas nas páginas impressas de lá. É, ainda, no expediente da imprensa paraguaia que uma imagem dos soldados do Brasil, em particular, mas dos brasileiros, em geral, vai sendo associada à macacos, num movimento pejorativo que fazia referência aos escravizados que compunham as fileiras do exército brasileiro e a composição social do país como um todo – do imperador aos generais.

Figura 6 – “O Nero do Século XIX – Projeto de Monumento que os paraguaios reconhecidos pretendem erigir a Francisco Solano López” – 12 de junho de 1869

Figura 7 – A Tríplice Aliança sob os interesses do império – Cabichuí – 1867

Figura 8 O imperador, o almirante Tamandaré e o General Polidoro como macacos – El Centinela – 1867

Fim das batalhas, início da derrocada do Império

Se inicialmente o conflito serviu para exaltar o Império brasileiro e fortalecer a imagem de Pedro II, à medida que a guerra se desenrolava, tais elementos parecem ter se esvaído. Questões relacionadas ao papel de homens que carregavam, ao mesmo tempo, as glórias da vitória em luta e o estatuto jurídico de escravo ficavam cada vez mais latentes, como vemos em uma edição de 1870 do A vida fluminense.

Figura 7 – Figura 6 – O retorno da soldado negro, herói de guerra à monarquia escravocrata – A Vida Fluminense – 1870.

Além disso, a prolongada duração da empresa militar, as baixas humanas – militares e civis –, a falta de perspectiva para a resolução dos impasses, o fracasso das soluções diplomáticas e certa insistência na captura e exposição de Solano López fomentaram oposições que, no limite, acabaram sendo determinantes para a queda da monarquia, concretizada em 15 de novembro de 1889. Por isso, não seria equivocado dizer que o término da guerra marcou o início do declínio do Império, sinalizando uma nova fase em sua trajetória que fora grava em papel, tinta e imagens nas páginas na imprensa periódica. Apesar de terem se passado mais de 150 anos do fim da guerra, os vestígios dessa batalha que culminou na perda metade da população paraguaia – à época, 280 mil almas –, além de 120 mil soldados argentinos, uruguaios e brasileiros ainda fazem eco, e a falta de um consenso sobre os meandros desses eventos até nossos dias revela a grandiosidade desse acontecimento e sua significância para a compreensão da história do Brasil – e das outras nações envolvidas.

Para saber mais sobre a Guerra do Paraguai, leia, entre outros:

DORATIORO, Francisco. Maldita guerra. Nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

GOYENA SOARES, Ricardo; KRAUSE, Thiago. N. Império em disputa: coroa, oligarquia e povo na formação do Estado brasileiro (1823-1870). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2022.

GOYENA SOARES, Ricardo. Conde d’Eu: Diário do comandante em chefe das tropas brasileiras em operação na República do Paraguai. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2017

GRANZIERA, Rui Guilherme. A guerra do Paraguai e o capitalismo no Brasil. São Paulo: Hucitec/UNICAMP, 1979.

IZECSOHN, Vitor. A Guerra do Paraguai. In: GRINBERG, Keila; SALES, Ricardo. O Brasil Imperial, volume II: 1831-1870. Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 2009, pp. 385-424.

PEREIRA DE PAULA, Edgley. A Imprensa vai à Guerra do Paraguai. O uso da caricatura como arma de guerra no século XIX. Albuquerque: revista de História, Campo Grande, MS, v. 3 n. 6 p. 115-128, jul./dez. 2011.

POMER, León. La Guerra del Paraguay. Gran negocio! Buenos Aires: Ediciones Caldén, 1968.

STUMPF, Lúcia K. Fragmentos de guerra: imagens e visualidades da guerra contra o Paraguai (1865-1881). Tese de doutorado em Antropologia Social. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, FFLCH, Universidade de São Paulo, 2020.


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