Por: Laura Faria Guirro

O neofascismo não traz necessariamente camisas negras. O fascismo hoje tem uma forma mais sutil. É uma forma de autoritarismo cujos elementos resumem-se a não respeitar as diferenças, nem as minorias, e que mantém atitudes intolerantes contra certos grupos de pessoas” afirma Luciano Cheles.

(FONTE:https://www.dw.com/pt-br/oposi%C3%A7%C3%A3o-pressiona-meloni-ap%C3%B3s-ato-fascista-na-it%C3%A1lia/a-67929039)

 

 

 

No dia 22 de outubro de 2022, a coligação de direita Fratelli D’Italia-Alleanza Nacionale, saiu vitoriosa nas eleições parlamentares e chamou a atenção o fato de ter, pela primeira vez na história do país uma mulher no cargo de primeira ministra. O que certamente deveria ser uma vitória para lutas feministas de ter uma representação feminina num cargo de alta importância, tornou-se uma derrota para a democracia italiana, que elegeu Giorgia Meloni e seu partido neofascista ao poder.

QUEM É GIORGIA MELONI?

Após a Segunda Guerra Mundial, o Partido Comunista Italiano (PCI) era o maior de toda a Europa Ocidental. Nesse sentido, os partidos de extrema direita tinham como principal objetivo impedir que os comunistas tomassem o poder. Nisso, emergiram vários partidos radicalistas, mascarados democraticamente, mas internamente vinculados ao fascismo de Mussolini.

À vista disso, surge em 1946, das cinzas do regime, o partido Movimento Social Italiano (MSI), fundado por Giorgio Almirante e Pino Raulti, ambos chefes de gabinete do Ministério de Propaganda fascista. O MSI foi o principal partido a manter perseverantemente ideologias e princípios do antigo regime. Posteriormente, passou-se a chamar Alleanza Nazionale (AN) e a jovem Giorgia Meloni, atual primeira-ministra da Itália e militante do partido desde sua adolescência, tornou-se líder da sua juventude. Foi durante esse processo de desenvolvimento intelectual e político que nasceu o Fratelli D’Italia, atual partido italiano.

Apesar de negar veemente vínculos com o fascismo, Meloni nunca escondeu sua admiração por Giorgio Almirante. Em 2018, publicou nas redes sociais uma montagem fotográfica com a legenda “de Giorgio a Giorgia. Podemos olhar nos seus olhos”, demonstrando cumplicidade e afinidade com o fascista. Além disso, quando se completaram 32 anos da morte de Almirante, homenageou-o dizendo que “Foi um grande homem, um grande político, um patriota”.

Ademais, a primeira-ministra escreveu em sua autobiografia, publicada em 2021, I am Giorgia, indicando se identificar com os herdeiros de Benito Mussolini, “Peguei o bastão de uma história de 70 anos.”

Como uma forma de continuar com a linhagem e a história dos partidos criados no período pós-guerra, o logotipo de seu governo contém a famosa chama tricolor, que é interpretada como o fogo queimando no túmulo de Mussolini. “Giorgia Meloni não quer abandonar o símbolo porque é a identidade da qual ela não pode escapar; é sua juventude” , diz Gianluca Passarelli, professor de ciência política da Universidade Sapienza de Roma.

(FONTE:https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/09/direita-vence-na-italia-e-abre-caminho-para-giorgia-meloni-indica-boca-de-urna.shtml)


FRATELLI D’ITALIA 

Herdeiro e com os mesmos objetivos fascistizantes dos partidos Movimento Social Italiano (MSI) e Alleanza Nazionale (AN), o Fratelli D’Italia foi içado em 2012, por Giorgia Meloni, para impedir o fortalecimento dos partidos comunistas e suas possíveis aproximações com o poder, além de também prosseguir com as ideias e doutrinas de Benito Mussolini.

Porém, através de eleições parlamentares, sempre esteve internamente de acordo com o sistema democrático e constitucional, o que acoberta completamente suas verdadeiras ideologias e princípios, diretamente ligados ao regime fascista. Esse movimento não acontece unicamente na Itália, como explica a jornalista italiana Annalisa Camilli: “Muitos partidos com tendências extremas, como o Vox, na Espanha, o Reagrupamento Nacional de Le Pen, na França, e os Irmãos da Itália já não são partidos marginalizados e são agora partidos considerados normais e que estão ganhando eleições”.

“Eles mudaram muitos princípios, alteraram alguns aspectos, mas são, é claro, um partido de direita que tem suas raízes no movimento pós-fascista”. Explica Lorenzo Pregliasco, professor de Ciências Políticas da Universidade de Bolonha. “De um lado, eles querem apresentar uma imagem respeitável, de moderação e modernidade. Por isso, eles disseram que cortaram o cordão umbilical com o fascismo. Mas, por outro lado, eles não querem perder uma parte do eleitorado que acredita que uma forma moderna do fascismo ainda é válida e aceitável”.

PROGRAMA DO PARTIDO 

Utiliza o racismo, xenofobia e uma forte política anti-imigração, como afirma Camilli “eles têm um forte discurso contra a imigração e contra os direitos das mulheres, são contrários ao aborto e querem aumentar a taxa de natalidade da Itália, que é a mais baixa da Europa. Neste sentido, são muito tradicionalistas, daí o seu lema: Deus, Pátria e Família”1.

A questão do aborto e imigração são os temas mais controvérsos dentro de seu governo,na qual devem ser considerados. A lei promulgada em 1976 autoriza a mulher a interrupção da gravidez, mas Giorgia diz que quer dar para as mulheres o direito de “não fazer um aborto”. O programa do partido inclui medidas como o enterro de fetos sem o consentimento da mãe e também a obrigação de ouvir o coração do feto antes de abortar.

Além disso, com o discurso “não permitirei que a Itália se torne o campo de refugiados da Europa”, aprovou no dia 18 de setembro de 2023 medidas para prolongar o tempo que essas pessoas podem ser detidas e garantir que quem não tem o direito legal de permanecer no país seja repatriadas.

1 Lema que popularizou “duce”, como Benito Mussolini era conhecido: “Deus, pátria e família”.

MANIFESTAÇÃO

No dia 07 de janeiro de 2024, repercutiu nas redes sociais uma manifestação da extrema direita italiana em que os participantes realizaram saudações fascistas em frente à antiga sede do partido MSI. No vídeo, podemos perceber filas de homens vestindo roupas escuras1 e gritando três vezes “presente” para o líder que bradava “a tutti i camerati caduti!” ou “por todos os companheiros mortos!”, grito de guerra típico durante o regime fascista de Benito Mussolini.

Esses manifestantes se reúnem anualmente para homenagear a morte de três homens vinculados ao fascismo regime, que foram assassinados na Via Acca Larentia no ano de 1978. Dois destes homens foram mortos por supostos militantes de extrema esquerda, enquanto o terceiro foi morto em um confronto com a polícia, em um protesto subsequente. Ninguém foi condenado pelas mortes dos ativistas.

Apesar das filmagens terem gerado enormes controvérsias dentro e fora do país, as mídias, principalmente a jornalística, permanecem caladas até o dia de hoje sobre o grave ocorrido em Roma. Elly Schlein, líder da maior legenda de oposição da Itália, do Partido Democrático (PD), escreveu em seu perfil do Instagram que “Roma, janeiro de 2024. Parece 1924”, se referindo à época de domínio de Mussolini. Schlein, assim como várias outras lideranças, exigem a presença de Giorgia Meloni no Parlamento para que ela explique o motivo pelo qual a polícia não interferiu e colocou fim ao protesto.

Mas pelo contrário, a polícia antiterrorista soube agir contra um italiano que gritou “longa vida à Itália antifascista!”, durante uma ópera no Teatro Scala de Milão, que acabou sendo retirado às forças do local. “Meloni não tem nada a dizer sobre isso?” questiona, novamente, Schlein à primeira-ministra. Ele ainda pede que Giorgia condene publicamente os ocorridos e que o governo atue de acordo com a Constituição, “reprimir os apologistas do fascismo de todas as maneiras possíveis”.

Mas por que a primeira-ministra se recusa a esclarecer os ocorridos? A resposta é clara: os três ativistas de extrema direita mortos na década de 1970 foram membros da ala juvenil do Movimento Social Italiano (MSI), assim como a primeira-ministra, no passado. Giorgia Meloni segue os mesmos princípios neofascistas desses membros e, de forma contraditória, afirma que estão usando “a memória da morte trágica (!) de três jovens pelo ódio comunista para fazerem propaganda macabra”. Ela se manifestou somente através das redes sociais com frases abstratas, dando maior ênfase em homenagear os mortos, fugindo de clarificações sobre os atos fascistas em seu governo, nas quais, nitidamente, seguem os preceitos da extrema direita e princípios fascistas.

1 semelhança aos camisas negras do regime de Benito Mussolini.


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