Autor: Laryssa Tiengo
Para compreendermos melhor as eleições georgianas, falaremos sobre o contexto histórico político do país. A Geórgia é um país transcontinental, situado entre a Europa e a Ásia; é especialmente sua localização que fomenta as influências e tensões com algumas potências, como a Rússia e a União Europeia. Ao longo dos séculos, foi território de reinos e impérios, sofreu invasão e dominação estrangeira e marcou mudanças geopolíticas. No século XIX, buscando proteção contra a dominação persa e otomana, a Geórgia fez um tratado com o Império Russo, onde foi anexada e considerada uma de suas regiões. Após a Revolução de 1917, obteve um breve período de independência, mas foi ocupada novamente pela União Soviética em 1921. Com a dissolução da URSS em 1991, declarou-se novamente independente – um momento tumultuado por guerras civis e tensões étnicas.
Atualmente, a Geórgia é uma república semipresidencialista, assim possuindo um presidente e um primeiro-ministro. No início deste ano, presenciamos diversos protestos no país motivados por um projeto de lei chamado de “agentes estrangeiros”. A medida exigiria que as empresas que recebem do exterior mais de 20% do seu financiamento se registrassem como “agentes de influência estrangeira”, ou enfrentariam alguma retaliação. A controvérsia se inicia pela semelhança com um projeto adotado pelo presidente russo, Vladimir Putin. Os georgianos temiam que a aprovação da lei caminhasse para a mesma repressão e censura, perseguindo organizações não-governamentais com alianças financeiras internacionais. A presidente Salome Zurabishvili — antes endossada pelo “sonho georgiano”, agora critica — prometeu vetar o projeto, mas não terá grande impacto, ainda que o faça.
A legislação, pensada pelo partido “sonho georgiano”, promete transparência e soberania nacional, mas abriu questões mais profundas. A Human Rights Watch e a Anistia Internacional denunciaram a lei, argumentando que, se adotada, sua manutenção seria cara, demorada e desmotivadora para entidades menores ou com poucos recursos, e sujeitaria a numerosas penalidades, sendo incompatível com a lei internacional de direitos humanos e normas de direito à liberdade de expressão e associação. A proximidade com a Rússia também assusta a população, dado o apoio e reconhecimento desta à situação das regiões separatistas da Abecásia e Ossétia do Sul, considerando a Guerra Russo-Georgiana como catalisador da hostilidade em relação ao Kremlin. A presidente da União Europeia demonstrou preocupação com os acontecimentos na Geórgia e desconforto com a lei, insistindo que “deve manter o rumo no caminho para a Europa”.
Dado as circunstâncias, a política interna se divide em Europa e Rússia, questionando em qual lado estará o futuro do país. O partido do polêmico projeto foi fundado pelo bilionário Bidzina Ivanishvili em 2012 e é considerado o mais influente da Geórgia, ascendendo ao poder por derrotar a presidência de Mikheil Saakashvili e seu partido e prometer estabilidade e redução da polarização política. No entanto, as críticas apontam autoritarismo e suposta influência exagerada de Ivanishvili, que oficialmente deixou a política mas ainda exerceria controle nos bastidores. O principal partido opositor seria o Movimento Nacional Unido, fundado em 2001 por Saakashvili, que implementou reformas significativas para a infraestrutura e combateram a corrupção em várias instituições. Entretanto, também foi acusado de autoritarismo, abusos de poder e repressão de opositores; a prisão de seu fundador galvanizou a oposição e trouxe o partido de volta ao centro das atenções, apesar das divisões internas.
Em 26 de outubro, aconteceu a vitória do “sonho georgiano” com mais de 54% dos votos em uma eleição parlamentar, o que já foi um golpe para os cidadãos pró-ocidentais. Para alguns, era esperado que o partido escolhido integrasse mais rapidamente com a União Europeia, mas as acusações e o histórico pró-russo do vitorioso desestimula quaisquer expectativas. Porém, o ISFED — um grupo de monitoramento eleitoral da Geórgia — disse que registrou violações, incluindo fraude eleitoral, intimidação e suborno de eleitores, podendo ter impactado os resultados. A comissão eleitoral e o partido não responderam imediatamente às alegações e os quatro principais partidos opositores afirmaram não-reconhecimento da vitória, com um dos líderes chamando os resultados de “golpe constitucional”.
O bilionário Ivanishvili reivindicou sucesso no sábado à noite e seu partido até demonstrou interesse de se juntar à UE, embora Bruxelas diga que o pedido de adesão esteja congelado por “tendências autoritárias”. Um funcionário da União Europeia disse que havia uma “sensação de desapontamento” sobre o desempenho da oposição, mas Bruxelas estava preocupada que uma contestação levasse a um impasse. E Zelensky, presidente da Ucrânia, disse que a Rússia vence eleição na Geórgia e fará o mesmo na Moldávia “se, é claro, o Ocidente não interromper o diálogo (contra) o cruzamento das linhas vermelhas”. Até então, uma organização local de monitoramento pediu anulação dos resultados, baseados em relatos de intimidação e compra de votos, mas não foram fornecidas imediatamente evidências de falsificação em larga escala.
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