Autor: Maria Clara B. Zambianco e Sofia A. Verdu.

Privilégios e imunidades são concepções presentes no contexto das organizações internacionais (O.I.) e do direito internacional responsáveis por facilitar o funcionamento e garantir a eficácia desse sistema. Para entender a atuação desses conceitos no cenário apresentado é necessário, primeiramente, compreender suas funções, diferenças e origens.

  1. O QUE SÃO PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES?

Os privilégios são definidos como normas especiais e excepcionais “[…] que isentam ou beneficiam as O.I. em relação aos restantes sujeitos jurídicos, modificando o ordenamento jurídico substantivo e adjetivo nacional” (Cruz, 2012, p. 44). Sua implementação contribui para a atuação das organizações, possibilitando que essa cumpra com seus objetivos.

Isenção ou restituição de tributos diretos e indiretos e segurança do corpo diplomático e consular são alguns privilégios concedidos às organizações internacionais. No Brasil, os agentes podem ainda adquirir privilégios não previstos em acordos, como matrícula de cortesia em Universidades Federais e assistência médica no Hospital das Forças Armadas, atribuídos por intermédio da reciprocidade (Ministério das Relações Exteriores, 2023).

Nas imunidades, entretanto, “[…] não há qualquer modificação do ordenamento jurídico. Apenas o mesmo não pode ser declarado ou aplicado pelo Estado.” (Cruz, 2012, p. 44). O principal exemplo é a imunidade de jurisdição, que está diretamente ligada a demais imunidades como a penal, civil, administrativa e tributária.

A partir da imunidade de jurisdição, o poder judiciário não pode “[…] alcançar os diplomatas do outro Estado para que os julgue” (Gouveia, 2015). A infração do agente deve ser comunicada ao seu Estado de origem para que este dê a sentença.

Quando aplicados às organizações internacionais e seus agentes, o conjunto de privilégios e imunidades visam sua independência e autonomia, reduzindo interferências externas e garantindo a eficácia na concretização de seus objetivos.

  1. EVOLUÇÃO DAS IMUNIDADES E PRIVILÉGIOS NAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

O processo de evolução das imunidades e privilégios se deu com o surgimento de uma diplomacia caracterizada pelo multilateralismo e uma ascensão na importância das Organizações Internacionais. Segundo Cruz (2012, p. 52), para que pudesse agir livremente as O.I.s não poderiam “estar sob interferência ou ingerência por parte dos Estados” e sendo assim, “necessitaria de uma ampla imunidade, para assegurar o comprimento e o bom desempenho das funções”. Diante disso, foram originadas as novas categorias de imunidades e privilégios.

No início dos fenômenos das O.I.s, ainda no séc. XIX, não era claro (nem se discutia muito) a sua personalidade jurídica internacional. Havia apenas a preocupação em se garantir a independência e neutralidade de seu secretariado, através do único instituto jurídico que se conhecia capaz disso, as imunidades diplomáticas. […] Assim, em relação a algumas O.I.s, começou-se por atribuir privilégios e imunidades diplomáticas ao seu secretariado e aos representantes dos Estados-membros, mas não às próprias O.I.s (Cruz, 2012, p. 52-53).

O fim da Primeira Guerra Mundial e a concretização do Tratado de Versalhes, no ano de 1919, representou para as Organizações Internacionais uma nova etapa no seu desenvolvimento. Durante este período, foram criados a Sociedade das Nações (SDN), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Tribunal Internacional Permanente de Justiça (TIPJ), dentre os quais a SDN “foi a primeira O.I.s universal, de caráter político e com fins gerais relacionados com a paz e segurança” (Cruz, 2012, p. 54). Ademais, nessa mesma época existiu um Comitê da Saúde, que mais tarde originaria a presente Organização Mundial da Saúde (OMS).

Desde sua criação, a SDN teve sua personalidade jurídica reconhecida, porém, ainda eram discutidas as questões das imunidades diplomáticas. Assim sendo, “foi com a criação da Organização das Nações Unidas que se substituiu o fundamento da analogia com a diplomacia, pelo da necessidade funcional” (Cruz, 2012, p. 58).

Visando cumprir com este objetivo “a Organização das Nações Unidas produziu duas Convenções a respeito de tema: uma referente às prerrogativas da própria ONU”, intitulada Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, em 1946, “e a outra para suas agências especializadas” (Corrêa, 2015, p.86), denominada Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Agências Especializadas das Nações Unidas, no ano seguinte.

Por fim, durante a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 e a Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963, foram estabelecidos os privilégios e imunidades diplomáticos e consulares, segundo o Ministério das Relações Exteriores (2023), marcando a consolidação dos mesmos para as O.I.s.

  1. ORGANIZAÇÕES E PAÍSES BENEFICIADOS

Além da ONU, tida como a mais importante Organização Internacional, algumas outras O.I.s desfrutam dos privilégios e imunidades previstos pelas convenções previamente mencionadas.

Dentre essas organizações encontra-se o Comité Internacional da Cruz Vermelha, que adquiriu personalidade jurídica internacional quando foram-lhe “atribuídos certos propósitos e funções no âmbito do Direito Humanitário, pela Comunidade Internacional, nas Convenções de Genebra” (Cruz, 2012, p. 26). Um outro exemplo a ser citado é a Interpol, que teve sua personalidade jurídica internacional reconhecida de maneira semelhante à Cruz Vermelha.

Para concluir, existem também as organizações de origem religiosa, como a Santa Sé e a Ordem Soberana Militar e Hospitalária de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta (comumente chamada de Ordem de Malta), sendo ambas reconhecidas como entidade internacional análoga ao Estado e entidade internacional não territorial, respectivamente (Cruz, 2012, p. 28-30).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Sobre Privilégios e Imunidades de Missões Diplomáticas. [Brasília]: Ministérios das Relações Exteriores, 3 fev. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/cerimonial/privilegios-e-imunidades/privilegios-e-imunidades-de-missoes-diplomaticas. Acesso em: 11 ago. 2024.

CORRÊA, Juliana de Souza. A Autonomia das Nações Unidas à Luz de suas Imunidades e Privilégios: O Caso Emblemático dos Estados Unidos. 2015. 96 f. Monografia (Bacharelado em Relações Internacionais) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/134725/Monografia%20da%20Juliana%20de%20Souza.pdf?sequence=1#:~:text=Os%20privil%C3%A9gios%20e%20imunidades%20dos,exercer%20suas%20fun%C3%A7%C3%B5es%20sem%20constrangimentos. Acesso em: 11 ago. 2024.

CRUZ, Nuno Miguel Gonçalves. Dos Privilégios e Imunidades das Organizações Internacionais. 2012. 157 f. Tese (Mestrado em Direito Internacional e Relações Internacionais) – Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012. Disponível em: https://repositorio.ul.pt/handle/10451/11448. Acesso em: 11 ago. 2024.

GOUVEIA, Thayne. Imunidades e privilégios diplomáticos. Jusbrasil, 2015. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/imunidades-e-privilegios-diplomaticos/258931610#:~:text=Conclui%2Dse%20que%20as%20imunidades,a%20não%20lesar%20direito%20alheio


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