Por: Ana Rafaela Rodrigues do Nascimento

 

Em 16 de março de 2024, no Massachusetts General Hospital (MGH), localizado em Boston, nos Estados Unidos da América, foi realizado o primeiro transplante de rim de porco em um paciente humano vivo. Richard Slayman, de 62 anos, portador de diabetes tipo 2 e hipertensão arterial sistêmica, foi submetido a uma cirurgia de quatro horas, na qual recebeu o órgão transplantado. Com um longo histórico lutando contra a doença, Slayman passou sete anos em diálise, até receber um rim humano em 2018. No entanto, o órgão apresentou sinais de falha em 2023, levando-o de volta à diálise. Com a cirurgia, pôde retornar para casa sem necessitar de outros procedimentos. 

Avanços científicos

Por muito tempo, os avanços dos  xenotransplantes, procedimento no qual um órgão animal  é transplantado à outra espécie, geralmente seres humanos, foram limitados devido à rejeição imunológica do órgão estrangeiro. Os porcos, escolhidos para maior aprofundamento nos estudos por apresentarem órgãos de tamanho semelhante ao dos humanos,  possuem uma enzima denominada alfa 1,3-galactosil-transferase, responsável pela presença de um açúcar na superfície celular desses animais, cuja carência no sistema imunológico humano leva à rejeição imediata

Fornecido pela empresa de terapia de xenotransplante eGenesis – co-fundada por George Church, geneticista da Escola de Medicina de Harvard e por Luhan Yang, ex-bolsista pós-doutoral da mesma instituição -, o rim utilizado na cirurgia teve 69 edições genômicas. Foi modificado através da tecnologia CRISPR-Cas 9, que possibilitou a adição de genes humanos e a remoção de certos genes porcinos aos quais o sistema imunológico reage, melhorando a compatibilidade. Ademais, viabilizou a inativação de vírus presentes em todos os genomas de porco, eliminando o risco de infecção no receptor.

O significado para a medicina moderna

O sucesso de tal operação é um marco histórico no campo do xenotransplante e é apontado como uma solução para a escassez mundial de órgãos doados, podendo um dia beneficiar um maior número de pacientes. De acordo com a UNOS (United Network for Organ Sharing), só nos Estados Unidos, mais de 100 mil pessoas aguardam por um transplante. 

Apesar da grande expectativa gerada pelo procedimento, esse é só o primeiro passo. Conforme Joren Madsen, Professor de Cirurgia Paul S. Russell/Warner-Lambert na Escola de Medicina de Harvard e diretor do MGH Transplant Center,  afirmou em conferência de imprensa: “Se fosse fácil, já estaríamos fazendo isso agora, mas não é. A barreira para o xenotransplante de porcos é formidável. A boa notícia é que conseguimos superar essa barreira.”

Um passo rumo à recuperação

Em 03 de abril, dezoito dias após o transplante, Richard Slayman recebeu alta e deixou o hospital. Apesar de incerta devido a inusitada operação, com base nas pesquisas pré-clínicas realizadas no Massachusetts General Hospital, a estimativa é que o órgão mantenha-se em funcionamento por mais de dois anos. 

O MGH divulgou uma declaração onde, ao ser liberado, o Sr. Slayman afirma: “Este momento – deixando o hospital hoje com um dos relatórios de saúde mais limpos que tive em muito tempo – é algo que desejei que acontecesse por muitos anos. Agora, é uma realidade e um dos momentos mais felizes da minha vida.

(Slayman com (da esquerda para a direita) Dr. Nahel Elias, Chefe Interino, Divisão de Cirurgia de Transplante, Dr. Tatsuo Kawai, Diretor, Centro Legorreta para Tolerância Clínica ao Transplante e Dr. Leo Riella, Diretor Médico de Transplante de Rim. Imagem: Michelle Rose/Massachusetts General Hospital, disponível em: https://www.massgeneral.org/news/rick-slayman-discharge-statement )

 

 

Foto de capa: (Cirurgiões realizam o primeiro transplante de rim de porco. Imagem: Massachusetts General Hospital, disponível em: https://www.massgeneral.org/news/press-release/worlds-first-genetically-edited-pig-kidney-transplant-into-living-recipient )

 

 


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