Autores: Isabella Tamaki e Vitória Xavier

Julgamento de Daniel Alves — Foto: Alberto Estevez/Reuters

Em fevereiro de 2024, o ex-jogador de futebol brasileiro Daniel Alves — titular na última Copa do Mundo de 2022 — foi condenado por estupro pelo tribunal de Barcelona. A pena inicial previa 4 anos e meio de detenção e 5 anos de liberdade vigiada. O crime aconteceu em uma boate na Espanha, em dezembro de 2022 e, por isso, Daniel foi julgado pela justiça espanhola.

Por se tratar de uma figura pública e envolver a jurisdição de outro país, o caso repercutiu pela imprensa nacional e internacional, e gerou debates sobre a violência de gênero e a impunidade, sobretudo após Alves pagar fiança e poder cumprir a pena em liberdade.

Nesta matéria, analisamos as particularidades do Caso Daniel Alves — comparando a lei brasileira e a lei espanhola em relação ao estupro e às violências sexuais — e averiguamos de que modo as mídias e o público têm debatido o caso. Acompanhe:

Medidas adotadas pelo local e pela polícia após o crime

Segundo os registros do El Periódico, jornal espanhol, ao sair do banheiro (local do ato criminoso) da casa noturna, a vítima foi incentivada a realizar a denúncia do ocorrido e atendida pela equipe da boate, que acionou um protocolo (destaco que, acionar um protocolo na Espanha é a mesma coisa que realizar um boletim de ocorrência no Brasil) contra casos de agressão sexual e a encaminhou para um hospital centro de referência para vítimas de agressão sexual.

A polícia também foi acionada e, antes da vítima se dirigir para o hospital, foi novamente incentivada a registrar a denúncia, agora por parte da polícia, que também colheu o seu depoimento na mesma noite do ocorrido. Entretanto, a denúncia foi registrada apenas dois dias depois da festa na boate.

O que prevê a lei brasileira no caso de estupro?

O crime de estupro está previsto no artigo 213 do Código Penal brasileiro e prevê pena de 6 a 10 anos de reclusão para quem “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. É importante acrescentar ainda que, de acordo com a Lei nº 12.845, considera-se violência sexual qualquer forma de atividade sexual não consentida. E, que se entenderá que houve consentimento para o ato libidinoso, apenas quando este tiver sido livremente expresso por meio de atos que, diante das circunstâncias do caso, expressem claramente a vontade da pessoa.

O que prevê a lei espanhola no caso de estupro?

Já na Espanha, de acordo com o artigo 178 do Código Penal espanhol, parágrafo 1: “quem praticar qualquer ato que viole a liberdade sexual de outra pessoa sem o seu consentimento será punido com pena de prisão de um a quatro anos como responsável por agressão sexual. Só se entenderá que existe consentimento quando este tiver sido manifestado livremente através de atos que, tendo em conta as circunstâncias do caso, expressem claramente a vontade da pessoa”, e no parágrafo 2: “em todos os casos, consideram-se agressão sexual os atos de conteúdo sexual praticados com recurso à violência, intimidação ou abuso de situação de superioridade ou vulnerabilidade da vítima, bem como os praticados contra pessoas carenciadas de sentido ou cuja situação mental é abusada e aquelas que são realizadas quando a vítima tem seu testamento anulado por qualquer motivo”.

Diferença entre as leis brasileiras e espanholas quanto ao crime de estupro

É importante destacar que, na Espanha, diferente do Brasil, não se utiliza o termo “estupro”, utiliza-se apenas o termo “agressão sexual”. Cabe ainda mencionar que, no Brasil, se há ou não penetração no ato libidinoso, a pena é a mesma, pois, o Brasil difere a sua pena quanto ao estupro, apenas em relação a idade da vítima; se houver lesão grave; ou se resultar em morte.

Entretanto, na Espanha, tem-se que quando há penetração no ato libidinoso, a pena é de 4 a 12 anos, enquanto, que, quando não há, a pena se reduz para 1 a 4 anos.  No caso de Daniel Alves, foi comprovado, através de testes de DNA, que houve penetração e, além disso, o ato também foi acompanhado de violência, portanto, através do artigo 179, parágrafo 2, do Código Penal Espanhol “Se a agressão referida no número anterior for cometida com recurso à violência ou intimidação ou quando a vítima tiver tido o seu testamento anulado por qualquer motivo, será sujeito a pena de prisão de 6 a 12 anos” fica evidente que a pena mínima que Daniel deveria cumprir era de 6 anos, e não de 4, como lhe foi concedido.

As particularidades do julgamento de Daniel Alves

Cabe aqui uma comparação entre o caso de Robinho e Daniel, tido que ambos são figuras públicas e foram condenados por crime de abuso sexual. Robinho, ex-jogador da seleção brasileira, foi condenado na Itália por ter abusado sexualmente de uma jovem albanesa em uma boate de Milão em conjunto com outros cinco homens no ano de 2013. Em seu caso, foi somente após a condenação que o Ministério da Justiça Italiano encaminhou às autoridades brasileiras o pedido de extradição à Itália, já que no momento da condenação o jogador se encontrava no Brasil.

Contudo, ao invés de enviar Robinho à Itália, o governo brasileiro, amparado pelo art. 5°, parágrafo LI, da Constituição Federal brasileira “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”. Ou seja, tido que nenhum brasileiro nato deve ser extraditado — ser entregue a um outro país para ser processado e julgado por um crime que tenha cometido — independente de quaisquer que sejam as circunstâncias e a natureza do delito, foi solicitado ao governo italiano que o jogador cumprisse sua pena no Brasil, já que o fato ocorrido também é tido como crime no país.

Diferente de Robinho, Daniel Alves tem respondido ao seu julgamento, desde o começo, na Espanha, portanto, seu caso não se assemelha ao de Robinho, dado que ele não estava em solo brasileiro quando foi condenado. Sendo assim, Alves, acusado de estupro em uma balada em Barcelona, servirá a sua pena (que na data dessa publicação concerne a uma liberdade provisória) no país em que o fato ocorreu, sem a necessidade de pedido de extradição por parte da Espanha.

Extradição brasileira

A extradição brasileira só é possível quando o indivíduo julgado é estrangeiro. Portanto, artigo 78 do Estatuto do Estrangeiro “São condições para concessão da extradição: I – ter sido o crime cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis penais desse Estado; e II – existir sentença final de privação de liberdade, ou estar a prisão do extraditando autorizada por Juiz, Tribunal ou autoridade competente do Estado requerente” e artigo 79 “Quando mais de um Estado requerer a extradição da mesma pessoa, pelo mesmo fato, terá preferência o pedido daquele em cujo território a infração foi cometida”.

Logo, tem-se que os requisitos para extradição são: a exigência de que o ato cometido no país requerente seja considerado crime também no Brasil; o crime não estar prescrito; o extraditando não ter realmente a nacionalidade brasileira – pois como já foi posto, anteriormente, brasileiros natos sentenciados em outros países, não podem ser extraditados quando em território brasileiro.

Nesse caso, a sentença é enviada de um Estado para outro por meio dos Ministério das Relações Exteriores e o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) avalia se a sentença cumpriu os pré-requisitos para a sua validade e ainda, se há possibilidade de cumprimento de pena no Brasil. Podendo o réu, também cumprir pena no país em que cometeu o crime.

Resultado do julgamento e a sentença inicial

Cabe recapitularmos que, inicialmente, a sentença de Daniel Alves se referia a uma condenação de quatro anos e meio de prisão em regime fechado, a qual ele já estava cumprindo desde janeiro de 2023. Tal sentença foi alvo de recurso tanto por parte da defesa, que almejava uma pena em regime aberto para Alves, quanto pela acusação, que solicitava a pena máxima de 12 anos em regime fechado, além do Ministério Público, que pediu 9 anos de prisão, também em regime fechado.

Tendo em vista o processo de condenação de Daniel Alves, cabe expor o último acontecimento que se tem de seu caso: recentemente, no dia 25 de março de 2024, após pagar um milhão de euros (cerca de R$ 5,5 milhões) Alves recebeu sua liberdade provisória da Audiência Provincial de Barcelona, até que sejam analisados todos os recursos apresentados — e seja anunciada uma sentença definitiva.

Apesar de ter aceitado a petição apresentada pela defesa do jogador, o tribunal impôs uma série de medidas cautelares. Desta forma, além de ter pagado a fiança de um milhão de euros, o réu tem a obrigação de se apresentar ao tribunal uma vez por semana e está proibido de deixar o território espanhol. Como medida de garantia, para que o ex-jogador siga as regras, teve a retenção de seus dois passaportes, o espanhol e o brasileiro.

Como a mídia repercutiu o caso?

Saindo das questões jurídicas, o Caso Daniel Alves também foi destaque na mídia e movimentou os debates na esfera pública. Antes mesmo de ser acusado, o ex-jogador passou por diversos times brasileiros, além de clubes internacionais como o Barcelona, Juventus, Paris Saint-Germain e Pumas, e atuou como capitão da Seleção Brasileira na última Copa do Mundo de 2022. Por ser uma figura pública conhecida dentro e fora do Brasil, acompanhamos a repercussão do caso em diversos veículos, nacionais e internacionais.

A cobertura do caso extrapolou os cadernos e programas esportivos e foi repercutida pelos principais jornais do país. Sendo bastante extensa e complexa e contando com diferentes perspectivas sobre o caso.

A mídia hegemônica brasileira, aqui ilustrada pelo Grupo Globo — G1, Globo News, Jornal O Globo e TV Globo —, Estadão e Grupo Folha dedicaram diversas matérias a respeito de todo o processo, desde o momento da acusação até a volta do jogador às redes sociais após entrar em liberdade condicional.

Enquanto a imprensa hegemônica adotou uma postura objetiva ao noticiar o caso, se atentando primordialmente aos fatos e as informações oficiais liberadas pela justiça da Espanha, os jornais regionais, como o Folha de Pernambuco e os veículos mais “alternativos”, e assumidamente progressistas, como a Mídia Ninja, publicaram colunas com opiniões mais afiadas em relação ao caso, expondo a indignação seletiva por parte da sociedade, a cumplicidade da Seleção Masculina de Futebol e a (in)justiça que é poder pagar para ter liberdade. Victor Pereira da Folha de Pernambuco expôs: “quem tem dinheiro pode tudo, até estuprar. E, aparentemente, quem não tem pede emprestado ao Neymar.”

O UOL usou seus diversos canais de comunicação para repercutir o caso a partir de diferentes perspectivas. No site, publicaram matérias mais aprofundadas explicando, por exemplo, os trâmites jurídicos que possibilitariam a saída de Daniel Alves da prisão. Já no Youtube, publicaram um vídeo curto do comentarista esportivo Walter Casagrande analisando o caso. Para Casagrande, “a condenação do Daniel Alves tem que servir para alguma coisa: Robinho andando pela praia é um desrespeito a todas as mulheres”.

O Casagrande, colunista do UOL Esporte, analisou a sentença do Daniel Alves #shorts

Internacionalmente, o jornal espanhol La Vanguardia vem publicando uma série de matérias sobre Daniel Alves. O La Vanguardia tem dado bastante espaço para a defesa do ex-jogador, publicando afirmações de sua ex-mulher Dinorah Santana, que afirmou que “Daniel Alves não é  um estuprador. Não há nada que o incrimine”, além de declarações de sua advogada de defesa. O jornal também publicou matérias que reforçam a sua trajetória no esporte e noticiou quando o ex-jogador distribuiu autógrafos para os presidiários.

Já o Le Monde, tradicional jornal francês, deu destaque para o caso, ressaltando que Daniel Alves mudou várias vezes a sua versão no julgamento e que a relação sexual com a vítima não foi consentida. O El País, da Espanha, e o The Mirror, do Reino Unido, também estão entre os jornais internacionais que vêm repercutindo o caso.

Apesar da maioria dos veículos de comunicação noticiar o acontecimento, é interessante notar qual a linha editorial e a postura que cada jornal tem adotado: alguns dão espaço para colunistas e comentaristas expressarem indignação e repudiar o caso. Outros preferem publicar textos de forma objetiva e, ainda, há aqueles que tentam minimizar a gravidade dos acontecimentos, publicando matérias que podem favorecer a imagem do ex-jogador.

O apoio de figuras públicas e a opinião pública

Apesar de ter sido condenado pela Justiça, os fãs de Daniel Alves e uma parcela da população continuaram demonstrando apoio ao jogador. Diversas publicações do jogador contam com centenas de comentários de apoio, minimizando o acontecimento e desacreditando as palavras da vítima.

Fonte: Instagram oficial do Daniel Alves

O perfil oficial do jogador no Instagram ainda conta com 34 milhões de seguidores. Nas postagens mais recentes, Daniel Alves desativou os comentários. Entretanto, em outras publicações — que podem ser comentadas — notamos o apoio de diversas pessoas, mesmo após a condenação. Por outro lado, alguns comentários também expõem a revolta, expondo-o como “estuprador”, além de pedidos para que ele cumpra a pena na cadeia.

Porém, a notícia da sua escalação como lateral na Copa do Mundo de 2022  — aos 39 anos, o jogador mais velho da seleção brasileira a ser convocado — pareceu gerar mais revolta entre os torcedores do que uma condenação por estupro. Aliás, poucos jogadores que foram colegas de Alves na Seleção Brasileira manifestaram repúdio sobre o caso. Em coletiva de imprensa durante o amistoso do Brasil contra a Inglaterra, o lateral Danilo (que usava a braçadeira de capitão na partida), foi questionado sobre a condenação de Alves e declarou:

“Entendo que na minha posição, como jogador há mais tempo na Seleção, exercendo o papel que exerço, é importante que eu fale. Acho, sim, que é importante passar por conscientização dentro da seleção brasileira, nas categorias de base, mas também gostaria de fazer a reflexão de que a gente não faça o julgamento que isso acontece só no futebol. É reflexo da sociedade e vem a se espelhar no futebol”

Apesar da declaração de Danilo, é importante relembrar que um dos apoios mais significativos que Daniel Alves recebeu durante o processo foi de Neymar, ex-colega de time (Barcelona) e seleção. De acordo com o G1, a indenização de 150 mil euros à vítima por danos morais imposta a Daniel Alves foi paga por Neymar, já que Alves estava com seus bens bloqueados durante o processo.

Houve ainda rumores de que o pai de Neymar teria pago a fiança estipulada em 1 milhão de euros para que Daniel Alves pudesse sair da prisão. No entanto, após a repercussão negativa, o Neymar Pai negou que pagaria o valor. Em nota publicada em suas redes sociais, ele afirmou que o Caso Daniel Alves não o compete mais.

Ainda sobre o apoio no mundo do futebol, o Barcelona — clube onde Daniel Alves se consagrou como jogador — havia retirado-o da lista de “lendas” do time. No entanto, o clube voltou atrás e, mesmo após a condenação, recolocou a imagem de Alves na área de “jogadores lendários” no site oficial.

Porém, sobretudo na bolha progressista e entre as mulheres, a notícia de que o jogador teria pago uma fiança de 1 milhão de euros pela liberdade provisória gerou indignação. O sentimento é de que, se você tem poder aquisitivo e prestígio, você pode fazer o que quiser. A presidente do Palmeiras, Leila Pereira, foi uma das vozes do futebol que se indignou com a decisão da justiça espanhola. Em entrevista ao Globo Esporte, ela declarou:

“Uma pessoa já condenada e que está solta. Por quê? Pagou. Então, para estuprar, você paga. A mulher tem um preço para ser estuprada. Você paga e é solto, não acontece absolutamente nada. Aquilo é revoltante.”

Leila Pereira em Coletiva | Fonte: CBF

A antropóloga e professora universitária Débora Diniz também comentou o caso nas suas redes sociais, expondo o absurdo que é poder pagar pela liberdade após ter sido condenado por estupro:

“O espetáculo da punição para a liberdade ser comprada por um milhão de euros. A justiça foi lenta e, agora, é ridícula: põe preço no estupro de uma mulher. Um milhão. Homens famosos escapam da justiça seja porque as mulheres não são críveis ou porque compram a liberdade […] A conversa aqui não é sobre defesa do punitivismo: é sobre a mensagem de justiça a essa mulher e a todas as mulheres do mundo”

            Como colocado por Débora Diniz e Leila Pereira, a mensagem que fica é que: para estuprar e violentar sem consequências, basta ter dinheiro. Apesar das diferenças entre a justiça espanhola e a brasileira e os trâmites legais internacionais, os casos Robinho e Daniel Alves são a prova de que os homens ricos de prestígio têm liberdade para fazer o que quiserem em qualquer lugar do mundo.


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