Autora: Isabella Tamaki Babata e Laura Borges Rossi

O atual Primeiro Ministro do Japão Fumio Kishida (Partido Liberal Democrata) veio ao Brasil em visita oficial no dia 3 de maio de 2024. Acompanhado de uma delegação empresarial, o premiê se encontrou com o presidente Lula em Brasília, onde firmou acordos bilaterais de cooperação entre Brasil e Japão.

No sábado, 4 de maio, Fumio Kishida foi a São Paulo, onde se encontrou com empresários e membros da comunidade nikkei e, durante a tarde, palestrou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no Largo São Francisco. 

O Primeiro Ministro discursou sobre as políticas diplomáticas japonesas na América Latina em um discurso intitulado Pavimentando o caminho para a ‘dignidade humana’ junto com a América Latina”. A palestra durou aproximadamente 40 minutos e teve, entre os presentes, membros da comunidade acadêmica: alunos de Relações Internacionais, professores e o reitor da USP Carlos Gilberto Carlotti Jr. 

Antes da cerimônia, houve um encontro de reitores brasileiros e japoneses, que assinaram uma parceria entre a Universidade de São Paulo e a Universidade de Tsukuba, visando promover um intercâmbio acadêmico mais ativo entre os países.


América Latina e Japão: uma relação marcada pela cooperação

Em seu discurso, o Primeiro Ministro ressaltou diversas vezes a relação de cooperação entre o Japão e os países da América Latina e Caribe, com destaque para o Brasil, que concentra a maior população de japoneses e descendentes fora do Japão. Em um tom descontraído, Kishida falou sobre o apreço que os brasileiros têm com a comida japonesa, citando a “sakerinha” e as diversas temakerias espalhadas pelo Brasil.

Kishida ressaltou que o Japão aprendeu muito com os países latinos e caribenhos e relembrou que, em 1956, quando o Japão, derrotado na Segunda Guerra Mundial, solicitou sua adesão às Nações Unidas, todos os países da América Latina e o Caribe o apoiaram


O caminho apresentado por Kishida

Após uma breve introdução, Kishida defendeu que a dignidade humana deveria ser o ponto de partida para a cooperação entre os países. O Primeiro Ministro argumentou que, para proporcionarmos a dignidade humana como princípio universal, é preciso criar um mundo de paz e estabilidade, garantir o Estado de Direito, buscar superar os desafios climáticos, de saúde e desigualdade e trabalharmos rumo à prosperidade..Natural de Hiroshima, Kishida defendeu um “mundo livre sem armas nucleares” como objetivo comum.

“O Japão é o único país que sofreu com bombas atômicas em uma guerra, enquanto a América Latina e o Caribe se tornaram a primeira zona livre de armas nucleares do mundo”

Na sequência, Kishida apresentou a sua visão concreta de um caminho que levaria à dignidade humana, destacando x passos:

  1. Garantir uma ordem internacional livre e aberta com base no Estado de Direito;
  2. Superar os desafios enfrentados pela humanidade como um todo, como o meio ambiente e as mudanças climáticas;
  3. Buscar uma prosperidade que todas as pessoas do mundo possam compartilhar, sem sacrificar ninguém;
  4. Reforçar os laços que unem as pessoas;

O Primeiro Ministro encerrou seu discurso reforçando a dignidade humana como objetivo a ser atingido e agradecendo a recepção calorosa que estava recebendo no Brasil, desde a sua chegada. Por último, Kishida reforçou a sua determinação em liderar o novo “caminho” entre o  Japão e a América Latina e o Caribe.


Uma alternativa às políticas diplomáticas chinesas? 

De acordo com o professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Marcos Cordeiro Pires, o discurso do Primeiro Ministro do Japão busca reforçar a presença do Japão na região latina e caribenha e se coloca como uma alternativa ao caminho proposto pela China.

Kishida enfatizou o conceito de “dignidade humana”, que pode ser analisado em oposição à “Iniciativa de Civilização Global” apresentada pela China em 2023. O discurso japonês está alinhado aos princípios liberais e orientado pelos valores “ocidentais”, sobretudo estadunidense, de liberdade e democracia. Inclusive, Kishida mencionou que “a ordem internacional está enfrentando novos desafios: a liberdade e a democracia que defendemos estão sob ameaça em todo o mundo.” 

Já de acordo com a perspectiva chinesa, compilada na “Iniciativa de Civilização Global”, os países não deveriam impor seus valores ou modelos a outros. Além disso, a iniciativa chinesa defende o respeito à diversidade das civilizações, os valores comuns da humanidade e a cooperação e o diálogo internacional. 

No entanto, em oposição ao discurso ocidental, de que há “superioridade de certas civilizações e valores”— o qual o Japão endossa —, a China propõe a defesa da igualdade, aprendizado mútuo, diálogo e inclusão entre as civilizações, ressaltando a importância do intercâmbio cultural no lugar de uma única perspectiva “superior”, que dita os caminhos do mundo. 

Sendo assim, é possível traçar divergências entre os discursos da China e do Japão em relação às suas políticas internacionais e às suas estratégias de influência nas diversas regiões do mundo, principalmente nos países emergentes.

Nota: fomos convidadas a participar da palestra com o premiê pelo Consulado do Japão no Brasil, com intermédio do professor de Relações Internacionais da UNESP Marcos Cordeiro Pires, a quem reforçamos os agradecimentos pela oportunidade.

 

 


Direito de imagem destacada: https://jornal.usp.br/institucional/politica-diplomatica-para-a-america-latina-e-tema-de-palestra-de-primeiro-ministro-do-japao/ – Foto: Marcos Santos / USP Imagens


0 comentário

Deixe um comentário

Avatar placeholder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *