Autora: Laura Faria Guirro

A escalada de violência no leste da República Democrática do Congo (RDC) provocou a deslocação de pelo menos 250 mil pessoas em fevereiro, segundo a ONU, que descreve a situação como uma crise humanitária sem precedentes.

A crise humanitária na República Democrática do Congo (RDC) atinge níveis preocupantes desde 2023, com altos índices de violência e deslocações forçadas de cidadãos, especialmente na província de Kivu, no Norte do país. Segundo um dos representantes dos Médicos Sem Fronteiras em Goma, Germain Lubango Kabemba, o cenário na província é catastrófico, com intensos deslocamentos em Rutshuru, Nyiragongo e Masisi dado ao confronto de grupos armados. O contexto geopolítico e histórico sobre as tensões entre Ruanda e RDC, que estão na origem da situação atual, remete-se ao tempo em que a região ainda estava sob domínio belga. Temos como objetivo, ao escrever a presente notícia, sintetizar o que está ocorrendo e o que levou mais de sete milhões de pessoas a serem deslocadas na República Democrática do Congo.

KIVU, UM TERRITÓRIO DE ALVO E COBIÇA 

O vínculo contemporâneo entre a República Democrática do Congo e Ruanda possui origens que remontam a era colonial. Ambos foram colonizados pela Bélgica, no período de 1919 até 1960. Após a guerra civil ruandesa e o genocídio, milhões de Hutus se deslocaram até o Zaire (antiga RDC). Portanto, sem mencionar as ingerências estrangeiras, tanto a Primeira como a Segunda Guerras no Congo, que envolveram significativamente Ruanda, devastaram a RDC, cujos efeitos ainda são sentidos no século XXI. Por conseguinte, esses conflitos e disputas fazem com que permaneça uma forte tensão e desconfiança entre as duas nações.

Apesar dessas restrições e desafios, Kivu do Norte mostra sinais de um setor privado dinâmico e um potencial de crescimento considerável. A província é rica em recursos  agrícolas e minerais, como estanho, ouro, diamantes, coltan e cobalto. No entanto, a fraca aplicação da lei significa que, na maioria dos casos, que determinadas atividades econômicas que utilizam esses recursos são ilícitas, especialmente a área da mineração e extração de recursos naturais. Ademais, a população ainda depende da agricultura de subsistência. 

Nos últimos anos, podemos testemunhar uma envergonhada reemergência de culturas de rendimento como tabaco, café, chá, cacau e palma, assim como a integração de mineração mecanizada. Embora Kivu do Norte esteja a mais de 1.500 km de Kinshasa e continue em grande parte desligada do resto da RDC, a sua posição fronteiriça com Ruanda e Uganda a coloca numa posição vantajosa que se beneficia com o comércio regional e internacional, principalmente com a parte Leste do território.

A ONU anunciou em outubro de 2023 que a República Democrática do Congo possui mais de sete milhões de pessoas deslocadas, com cerca de cinco milhões concentradas na parte oriental do país. Quase 30% das crianças que foram deslocadas de Kivu do Norte durante os genocídios estão desacompanhadas ou perderam o rastro dos pais durante a fuga.  

A TENSÃO SE ELEVA

No ano de 2022 ocorreram diversos ataques pelas forças dos dois países (RDC e Ruanda) em seus respectivos territórios. A crise humanitária está diretamente relacionada à ofensiva contínua do Movimento 23 de Março (M23), desenvolvida por rebeldes congoleses na sequência da guerra de Kivu (2004). A República Democrática do Congo, assim como a ONU e os Estados Unidos da América acusam Ruanda de apoiar energicamente o M23. Em contrapartida, Ruanda acusa de apoiar as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda (FDLR), grupo de resistência constituído por hutus (grupo étnico no governo em 1994 e cujos extremistas foram responsáveis pelo genocídio de Ruanda) do leste de RDC. Portanto, tanto a RDC quanto Ruanda negam o apoio ao FDLR e ao M23, respectivamente, apesar de pesquisas e relatórios confirmarem as alegações de ambos os lados.

Em 5 de dezembro de 2023, a RDC anunciou que 272 civis foram mortos em um massacre na cidade oriental de Kishishe, em Kivu do Norte. O governo de Felix Tshisekedi culpa o MS23 pelo atentado, que nega as acusações do ocorrido. À vista disso, num discurso de 9 de novembro do mesmo ano, o presidente congolês comparou o comportamento de Kagame (presidente de Ruanda) ao de Adolf Hitler, provocando a indignação do governo ruandês.

O INSUFICIENTE APOIO OCIDENTAL 

Tomando como princípio a ineficácia de suas práticas no território, como também a pedido de Felix Tshisekedi, as Nações Unidas confirmaram a retirada (depois de 25 anos implantada) da força de paz Monusco da RDC até o final de 2024. O primeiro estágio dessa retirada iniciou-se com o encerramento dos postos policiais e militares na província de Kivu do Sul, que estava prevista para ser concluída no mês de abril desse mesmo ano. A ONU e o governo congolês divulgaram uma declaração conjunta a esse respeito.

Como num estopim, que teve como ponto de partida ações similares dos governos do Mali, Sudão do Sul e República Centro-Africana, posto a situação inconstante de insegurança, o governo de Felix Tshisekedi exigiu a retirada “acelerada” das forças de paz da MONUSCO, alegando sua descrença nas missões e ineficácia da proteção da população. O terrorismo de grupos armados e milícias devastam o leste da RDC há mais de três décadas.

 

 


Referência da imagem destacada: Acnur/Michele Sibiloni https://news.un.org/pt/story/2018/04/1618371


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