Autor: Kaicky Taiatella Rodrigues

O país localiza-se no bloco africano, na região conhecida como Chifre da África, no leste do continente, e atraiu a atenção internacional nas últimas décadas devido ao alto grau de pirataria ocorrido no oceano Índico. A Somália, uma nação outrora governada por Siad Barre, presidente do país de 1969 até 1991, vivenciou tempos extremamente conturbados em seu governo central em 1991, afundando o país em uma crise civil e um vácuo no poder. Esse cenário possibilitou uma sequência de acontecimentos profundos, incluindo práticas de pirataria ao longo de suas águas.

Com a carência de uma autoridade central, capaz de controlar essas atividades vindas de seu país, a fim de aplicar ordem e leis cabíveis sob seu território e cidadãos, grupos armados paraestatais e indivíduos desesperados pela crise, encontram oportunidades dentro do caos. A pirataria, até então um fenômeno marginal, segundo o decreto nº 8528, posto na resolução 2184 de 2014, do Conselho de Segurança das Nações Unidas, tornou-se uma atividade lucrativa e organizada. Ex-pescadores e jovens desempregados viram nessa prática uma maneira de escapar da pobreza devastadora que se alastrava pelo país.

O relatório do Bureau Marítimo Internacional revelou um aumento preocupante nos casos de pirataria marítima em 2023 comparado com os anos anteriores, com 120 casos claramente declarados, o que nos leva a crer que a pobreza extrema e o desemprego em massa exacerbaram a situação. Com poucas oportunidades econômicas legítimas à disposição, especialmente para os jovens, a pirataria surgia como uma alternativa aparentemente rápida para ganhar dinheiro significativo.

Navios mercantes que atravessavam o Golfo de Áden e o Oceano Índico Oriental, eram alvos visados pelos piratas somalis, principalmente cargas valiosas, como contêineres de produtos eletrônicos, alimentos, petróleo, além dos mesmos terem a opção de sequestrar a tripulação em troca de resgates substanciais.

O caminho marítimo ao largo da costa da Somália representa uma rota fundamental para o comércio internacional, desempenhando um papel crucial no transporte de petróleo, gás natural e uma vasta gama de mercadorias entre a Ásia, Europa e América, pois possibilita uma via mais rápida e com um dispêndio menor de gastos. Aproximadamente 30%, segundo a OPEP, do petróleo mundial transita por essa região, destacando sua importância estratégica incontestável no cenário global.

No entanto, a extensa costa somali e suas águas são propícias a ataques, piratas se aproveitam das condições favoráveis para realizar emboscadas contra navios mercantes, criando um ambiente de incerteza e risco para as operações navais. A proximidade da região com áreas de conflito e instabilidade política, juntamente com a pobreza generalizada e a falta de infraestrutura de segurança marítima na Somália, exacerbam ainda mais os desafios de segurança ao longo dessa rota estratégica. A incapacidade de estabelecer uma presença eficaz no mar e a dificuldade em punir os piratas contribuem para a persistência desse problema.

Os piratas da Somália operam com uma eficiência visível, utilizando estratégias planejadas para abordar e tomar o controle de navios comerciais no Oceano Índico. Equipados com skiffs rápidos e motores potentes, eles lançam seus ataques de forma rápida e surpreendentemente calculadas. Armados principalmente com rifles de assalto e, às vezes, armas automáticas ou lança-foguetes, sua intenção é clara: intimidar e subjugar as tripulações dos navios alvo.

A tática começa com uma abordagem em alta velocidade, visando surpreender as vítimas e reduzir o tempo de resposta. Essa abordagem agressiva permite que os piratas dominem rapidamente a situação, utilizando a força física e o poder das armas para tomar controle do navio. Uma vez a bordo, a tripulação é rendida e mantida como refém, enquanto os piratas iniciam as negociações para resgate.

Para os proprietários de navios e suas seguradoras, enfrentar a ameaça dos piratas da Somália significa lidar com demandas de resgate complexas. A necessidade urgente de proteger vidas humanas e salvaguardar ativos valiosos coloca-os em uma posição difícil de negociar, muitas vezes resultando em acordos financeiros significativos, a fim de assegurar a libertação dos reféns e a recuperação do controle dos navios.

A resposta internacional a essa situação foi marcada por diversas estratégias. Primeiramente, foram realizadas operações navais coordenadas por marinhas de países interessados. Como a operação Atalanta da União Europeia, iniciada em 2008, sendo uma das principais iniciativas, ela envolveu navios de vários países da UE para proteger os navios comerciais e humanitários que navegam pela região. Além disso, a Operação Ocean Shield da OTAN também foi lançada em 2009 com o objetivo de proteger a navegação e combater a pirataria.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas também desempenhou um papel crucial ao adotar várias resoluções que autorizavam os Estados membros a usar força para combater a pirataria. A Resolução 1816, de 2008, permitiu a intervenção militar contra os piratas tanto nas águas territoriais da Somália quanto no alto-mar. Outras resoluções subsequentes fortaleceram o mandato e ajudaram a coordenar os esforços internacionais.

Os Acordos de Djibuti, assinados em 2008, foram um marco importante, estabelecendo uma base para a cooperação internacional na luta contra a pirataria. Esses acordos facilitaram a coordenação entre as nações envolvidas e ajudaram a harmonizar os esforços de combate.

Outras iniciativas, como o Centro de Relatórios sobre Pirataria do IMB (IMB Piracy Reporting Centre), forneceram informações e relatórios em tempo real sobre atividades de pirataria, contribuindo para a coordenação de respostas rápidas. Como resultado dessas ações internacionais, a frequência dos ataques piratas na região foi significativamente reduzida ao longo dos anos, especialmente após 2012.

Também é válido mencionar como os impactos humanitários foram profundos. Comunidades costeiras que tradicionalmente dependiam da pesca viram suas fontes de subsistência ameaçadas pela presença de piratas armados. O medo generalizado entre os navegadores e comerciantes prejudicou ainda mais a confiança na segurança marítima da região.

A resposta internacional foi clara, com coalizões navais de várias nações patrulhando as águas somalis para proteger rotas comerciais cruciais e garantir a segurança dos marinheiros. No entanto, as soluções para a pirataria somali exigiam mais do que a presença militar. A reconstrução econômica e o fortalecimento institucional dentro do país são fundamentais para abordar as causas reais do problema.

Para diminuir essas ameaças e garantir a segurança contínua da rota marítima, é fundamental uma cooperação internacional esquematizada, envolvendo não apenas os países diretamente afetados, mas também organizações regionais e globais. Iniciativas como patrulhas conjuntas, compartilhamento de informações de inteligência e treinamento de forças locais são passos fundamentais para fortalecer a segurança nessa região crítica.

A pirataria na Somália não é apenas um problema de segurança marítima, mas um sintoma de um Estado falido e da desesperança econômica que assola a nação. Para resolver efetivamente esse desafio, intervenções são necessárias: desde o fortalecimento das estruturas governamentais e econômicas até o apoio às comunidades locais para promover alternativas sustentáveis ao crime organizado. A trajetória da pirataria somali serve como um lembrete das consequências devastadoras do colapso estatal e da necessidade urgente de construir resiliência e estabilidade em sociedades fragilizadas.


 

 

Referências:

OLIVEIRA, Gilberto Carvalho. Economia Política da Pirataria na Somália: Bases para uma Abordagem Transformativa-10.5102/uri. v8i2. 1294. Universitas: Relações Internacionais, v. 8, n. 2, 2010.

ROMAN, Eduardo de Assis Brasil. O combate à pirataria em alto-mar pela via da promoção dos direitos humanos no “Chifre da África”. 2017.

SILVA, Renato Pericin Rodrigues da. Cooperação internacional no combate à pirataria na costa da Somália. 2010.


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